”Disse a flor para o pequeno príncipe: é preciso que eu suporte duas ou três larvas se quiser conhecer as borboletas.” (Antoine de Saint-Exupéry)

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Excerto III- vc me amaria?se...



_Todos eles acham que eu vou ser um fracassado. Meus professores, meus antigos chefes, todo mundo. Todos acham que eu sou um desperdício. Até minha mãe acha que vou ser um vagabundo. Todas as pessoas da minha vida pensam assim, menos você.
- Elas não sabem do que estão falando.
- Você me amaria se eu fosse um mendigo?
- Você não vai ser um mendigo.
- E se minhas pernas tivessem de ser amputadas. Você me amaria se eu não tivesse pernas?
- Como foi que perdeu as pernas?
- Em um acidente na fazenda.
- Profissão perigosa, essa.
- E se fossem os meus braços? Você me amaria se eu não tivesse os braços?
- Outro acidente na fazenda?
- Não, esquiando.
- Você é um mendigo que tem passes para esquiar – nada mau.
- Tudo bem. Esquiando, não. Hum…trabalhando em uma mina.
- Mina? Mas onde é que você está morando?
- No Tennessee.
- Tennessee? Quer morar no Tennessee?
- Bem, em qualquer lugar. Eu me envolvo em um acidente de mineração e perco os braços e as pernas…
- Eu pensei que havia perdido as pernas em um acidente na fazenda.
- Não. Eu piso numa mina e tudo vai pelos ares. Você me amaria nesse caso?
Fico em silêncio, imaginando o tronco do meu namorado.
- E se eu fosse apenas uma cabeça? – ele pergunta
.

Ela/Ele



Ela via o mundo
Ele via o mundo
Viam sob a mesma luz
Isso é tudo
E era tudo
Que havia
Entre os dois em comum
Se conheceram
No inverno de 2002
No vento um prelúdio
Do que viria depois
O frio desculpa se fez
Pra ele estender seu casaco
Nos ombros dela
O inverno então se desfez
Quando ela em troca
Lhe deu com o olhar um abraço
Ele era um aspirante a poeta
Ela era inspiração
E pra ele qualquer coisa nela
Despertava uma canção
Ela que sempre buscava
Em tudo um porque
Com ele bastava
Estar, sentir e viver
O tempo voava pros dois
E nem todo o tempo do mundo
Seria o bastante
Os dias
Vividos a dois
Provavam que a eternidade
É só um instante
Ela já quis ser de tudo
E até sonhou
Em ser piloto de avião
Finalmente alcançou o céu
No instante em que ele lhe pediu a mão
Três letras
Ela respondeu
E a mais linda música
Se transformou sua voz
Enfim não haveria mais
Qualquer cabimento de vida
Vivido a sós

sábado, 17 de abril de 2010

Eles eram amigos e ela queria agarrar ele na primeira hora do dia, queria fazer dele o seu primeiro cigarro da manhã, mas ela não podia porque ela não queria que ninguém percebesse a fumaça que saía dos dois e da eterna paúra que ela tinha porque não podia gostar da idéia de gostar dele.


Ela ficou sozinha muitas vezes e muitas vezes ficou com ele. Ela dava risada, ela chorava escondida no banheiro, ela sentava de perna torta, ela tremia de forma ereta, ela beijava de olho aberto, ela fechava o coração à força, ela fugia da mão boba dele, ela escrevia estórias tristes e gargalhava a sua liberdade forçada. Porque por mais que as tardes fossem melancólicas, por seguirem as manhãs tão atarefadas, ela tinha descoberto as dores e as delícias de ser quem ela era.

Nem tudo era festa, mas nem tudo era funeral. Nem tudo era gozo, mas nem tudo era reprimido. Nem tudo eram terças-feiras à tarde, mas nem tudo eram segundas de manhã. Nem tudo era quente, mas nem tudo congelava. Não seria cômodo pra sempre, mas também não seria morno como tinha sido sua vida até agora. E ela sabia.

terça-feira, 13 de abril de 2010

É assim que sou



' Eu, hoje, faço muito tempo. Sou lembrança. Um tom sépia, um cheiro de história contada por alguém numa cadeira de balanço, enquanto um e outro olhar atento tenta decifrar as memórias do que é antiguidade. Talvez meu lado de dentro seja um relicário. Talvez alguém, um dia, diga que meus lábios sempre sopraram beijos. Meu coração só registra carinhos, e nunca dorme.







Há algum tempo caminho por aí sem relógios. Meu amor é conjugado no infinito. Minhas orações já não se subordinam. E nessas noites sem sentido, como a de hoje, eu só sei observar. Viro plateia de mim mesma. Vejo várias de mim, e me perco naquela que não sou. Se tocasse um samba, eu sorriria e cairia na roda, levantando o copo e sendo um sorriso. São coisas internas. Minhas maneiras de fazer folia. Eu ardo, e solto poesia com meus passos tortos. Fico invisível com um fechar de olhos. Em silêncio. Num sussurro.


. . .


Não sei o que esperar. Espero tudo. Quero tudo. E vou. De mãos dadas com o que sinto, nunca soube me economizar. Vai ver, assim, eu acabe sendo possível.






Minha caneta é sempre azul.''

segunda-feira, 12 de abril de 2010

desencarquilhar



Vivia só. Não sorria, muito pouco saía.
Um dia, numa das raras vezes em que atravessou a fronteira, o viu passando. Não sei dizer se a culpa foi dos olhos acostumados a não enxergar beleza, mas sei que se assustou: o coração virou maracatu. E alguma coisa acendeu dentro da moça que era noite.
O moço não percebeu nada. Às vezes a gente não nota o bem que faz. Ou ele era distraído mesmo. E a moça era só luz; brilhava por ele, para ele e para ela. Um amor que esperou tanto pra nascer, só pode ser de verdade, e amor de verdade é atrapalhado, desastrado: se derrama por todos os lados. Borrifa as pessoas.

domingo, 4 de abril de 2010


Ele espera, lembra e pensa.

Recorda de tudo, falha em poucos detalhes.

Ele se arruma, se produz,

Veste a melhor roupa e sai.

No caminho, escuta aquela música,

A mesma que lhe faz lembrar de como tudo começou.

Ele chega e espera....espera, espera....

Sempre ansioso, a voz lhe falta.

Uma sede incontrolável e um certo desconforto.

O tic-tac do relógio já lhe incomoda,

Ele agüenta e espera mais um pouco.

Eis que chega!

Uma mistura de alegria e ansiedade lhe toma,

Noutro momento um sorriso lhe acalma.

Um abraço, um carinho,

Mas nenhuma palavra é dita.

Ele pergunta sobre sua vida,

Ela descreve um mundo em palavras.

Ele sorri e espera novamente,

E nada lhe é perguntado.

Não sabe nem se lhe tem algo a dizer.

Fica calado e apenas ouve.

Ele caminha...passo a passo, sentindo-se lento

Eis que a distância entre os dois aumenta.

Ele se admira, ela segue em frente.

Ele fala, ela já nem olha pra trás.

O nervosismo lhe toma por inteiro,

A calma a leva para mais longe.

Ele grita, chama,

Sequer é olhado, notado,

Apenas deixado para trás.